sábado, 22 de julho de 2023

Uma noite na cinemateca: memórias, cinema, amizade e poesia

 

Cinemateca, sua linda! 💟

Ontem fui até a Cinemateca prestigiar a exibição do filme Se Trans For Mar, dirigido pela amiga querida Cibele Appes, cujo trabalho acompanho há vários anos, desde que nos conhecemos nas Oficinas Kinoforum em meados da primeira década dos anos 2000. Assistir a um filme da Cibele já seria motivo para tornar a noite de ontem especial, mas, além disso, ver os outros filmes que compuseram a sessão, e pelo fato de tudo isso ter acontecido na Cinemateca, trouxe mais alegria ainda a esse momento.

Quando cheguei ao Largo Senador Raul Cardoso, minha primeira reação, antes de entrar, foi ir até o outro lado da rua e olhar a Cinemateca de um ângulo mais amplo, vislumbrando a chegada do desfile de memórias que me atravessa sempre que vou até lá. Trabalhei ali entre 2009 e 2013, quando, por decisões políticas que até hoje não compreendo, a Secretaria do Audiovisual resolveu promover uma demissão em massa...

Cinemateca Brasileira: área de projeção externa.

A vida virou-se e revirou-se, busquei outros caminhos, muitas coisas aconteceram, mas sempre que vou até lá todas essas memórias retornam com uma força espetacular. Há quem diga que um espaço como aquele, que outrora já foi o Matadouro Municipal de São Paulo, é capaz de imprimir uma marca profunda em quem o frequenta. No caso, entendo isso não como aquelas marcas com ferro quente que o gado carregava, mas, de outro modo, como um sincero amor ao cinema, à sua preservação, às memórias que ali são preservadas e projetadas. Também há a efervescência das novas descobertas que aquele espaço possibilita, como por exemplo, fazendo uma sessão como a de ontem com vários curtas-metragens de jovens produtores selecionados a dedo. Poesia em estado puro.

Cinemateca Brasileira: cabine de projeção da sala Grande Otelo

O bichinho do cinema me picou, me mordeu... e ainda deixou um pedacinho para a sobremesa...

Cinemateca Brasileira: projetor 35mm

Ao dizer isso também lembro do Sandro, meu amigo projecionista da Cinemateca que conduziu ontem a sessão. “Você pode até demorar para vir aqui na Cinemateca, mas não adianta, a Cinemateca te mordeu, ela morde a gente, principalmente quando a gente trabalha aqui... já era!”. A gente começou a conversar e os assuntos não acabavam, entre memórias e composições de ideias novas... aliás, convido quem não viu, a assistir ao curta Balé Mecatrônico, que fizemos juntos, visando manter vivo o trabalho que desenvolvemos, naqueles anos em que trabalhamos juntos, período em que trabalhei como gerente daquelas salas de cinema. Clique aqui para assistir no YouTube.

Sandro, o olhar do cinema nos observando atentamente e eu.

Falando um pouco mais do filme da Cibele. Percebo que uma sementinha imagética, uma fagulha que notei lá no início dos anos 2000, quando vi as montagens dela pela primeira vez nos filmes das oficinas, essa sementinha está cada vez mais sofisticada. O que quero dizer com isso? Há momentos de suspensão nos filmes da Cibele. Há momentos em que somos transportados a uma dança imagética a qual só podemos ver ali, na tela, não adianta eu tentar descrever muito em texto... é algo próprio do concatenar das imagens e sonoridades, algo que mesmo estando aqui na nossa vidinha cotidiana, ao mesmo tempo não está, um sopro, um suspiro, um sonho. Ela inclusive disse no debate que tem apostado em uma ideia de cinema sonho. Falamos bastante sobre isso depois da sessão, dessa potência do sonhar, de como isso está aqui no tecido de nossos dias, de como é importante o cinema ter coragem de expor isso... e ela reforçou que para ela é muito importante compor dessa forma.

Cibele Appes e o cinema sonho: em debate da sessão Cabíria

Fazia um tempo que eu não acompanhava de pertinho cada lançamento dela. Imersa na correria dos dias, tive uma surpresa boa quando ela me mandou o link do trailer. De alguma forma, seguindo os links, cheguei em outros trabalhos dela que eu ainda não tinha visto. Nossa Voz Ecoa foi seu último trabalho que vi com mais detalhes, até compartilhei com a turma da Etec Cepam, em que lecionava à época. Mas depois dessa websérie seguiram-se vários outros. Vi como
seu portifólio está recheado de imagens. Orgulho ver tudo isso, ver alguém que você acompanha produzindo trabalhos tão bonitos, tão poéticos e vários deles em parceria com sua irmã e sua mãe, duas queridas e super talentosas em tudo que fazem.

Isis Appes, eu, Cibele Appes

A memória não diz respeito ao passado, apenas, mas está atrelada à composição de nosso presente. E as amizades permanecem pulsantes, mesmo que a gente passe um tempo sem se ver, quando os reencontros acontecem, toda a força e carinho que temos por essas pessoas voltam. Por isso foi tão bom ter esses encontros e reencontros ontem.💜

E sobre esse carinho, essa relação afetiva com a Cinemateca, lembrei-me de um trecho do livro Ver e Poder do Comolli: “Para nós, jovens espectadores dos anos de 1950 e 1960, as salas de cinema eram nossas salas de aula, a cinemateca, nossa universidade”. Nos “anos 2000”, a Cinemateca Brasileira também foi como uma universidade para mim...

 


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