Foto: Ingrid Gonçalves, 2015. Acervo Pessoal.
Pelas imagens do vídeo do G1, sobre o incêndio na Cinemateca, o acervo de nitratos foi comprometido, não dá para saber a proporção... Mas ali fica uma parte do acervo... Estava me lembrando que devido ao incêndio que já aconteceu quando a Cinemateca era no Ibirapuera, na Vila Clementino os nitratos foram para um galpão separado - este que foi atingido pelo incêndio noticiado hoje e do qual não temos mais informações além das poucas notícias compartilhadas por amigos na internet e pelo informe do Globocop. Este tipo de suporte fílmico é altamente inflamável, de modo que um acidente com nitratos é algo que precisa ser levado em conta ao se planejar uma política cultural audiovisual que considere a existência de acervos.... Mas porque temos nitrato se são perigosos? Este foi um suporte muito utilizado, por isso o acervo brasileiro guarda materiais desse tipo, inclusive matrizes originais de filmes... Não por sorte apenas, mas por cuidado e pelo trabalho da equipe que em grande parte, não está mais lá, o galpão foi projetado para diminuir as consequências de um provável incêndio... Não sei de tantos detalhes técnicos, porque eu trabalhava cuidando das salas de cinema, mas o que me foi explicado em algumas ocasiões, é que o teto daquele galpão foi projetado de modo que a explosão fosse direcionada para cima, minimizando a expansão do fogo para todo o acervo... independente da proporção, que ainda desconhecemos, é uma tragédia, mas poderia ter sido pior se não tivesse ocorrido um planejamento prévio que minimizasse as perdas num momento trágico como esse... infelizmente a Cinemateca foi desmantelada da maneira como a vivi... está com pouquíssimos profissionais, uma tragédia que vem sendo anunciada com todo o descaso ao acervo do audiovisual brasileiro, à preservação da história do país....
Um dos trunfos que AINDA resguarda toda essa memória é a
paixão dos que AINDA trabalham na Cinemateca, sabe-se lá por quanto tempo...
esse sentimento apaixonado que persiste em continuar vivo, ainda bem! E que
pena que não tem sido devidamente valorizado pelo Estado Brasileiro, que ao
mesmo tempo que promove políticas públicas culturais de valorização em alguns
vetores, promove esta desvalorização, esse desmantelamento de uma instituição
tão importante como a Cinemateca... Trabalhei na Cinemateca Brasileira entre
2009 e 2013, como gerente das salas de cinema. Existia um plano comum que
cruzava toda a equipe expressos na alegria e na dedicação que todos dedicávamos
ao trabalho, todo ali eram apaixonados pelo cinema brasileiro... afetos que nos
moviam cotidianamente, os quais me inspiram alegria e gratidão.
Dezenas de profissionais, com conhecimentos específicos,
formados pela própria instituição foram demitidos.... tudo começou em 2013,
está na internet, capítulos de um descaso nacional mal explicado... Eu estava
num dos lotes inclusive...
Embora grande parte das pessoas, inclusive o apresentador da
Globo, ao descrever a imagem aérea no vídeo disponível na matéria do G1, tão
compartilhada hoje, conheçam apenas os espaços abertos ao público, que
consistem nas salas de cinema, nas áreas externas dos jardins e no espaço para
projeções ao ar livre, o trabalho da cinemateca é muito mais amplo, contempla
preservação, difusão, acesso, pesquisa, catalogação, restauração, políticas
públicas, etc etc.
Para além de aspectos técnicos de todas essas vertentes, há
uma "ferida aberta", que se contrai e inflama quando equipamentos
culturais desse porte são jogados ao descaso... é a Manutenção... Manutenção demanda
recursos, não apenas recursos financeiros, mas recursos humanos, cuidado e uma
equipe especializada, que perceba, que reflita... no caso de uma cinemateca não
diz respeito apenas ao técnico, ao eletricista, ao pedreiro, ao técnico que faz
a manutenção/ regulagem das máquinas... não é tão simples assim... é um
trabalho conjunto, reflexivo e coletivo, tão importante para que toda essa
"maquinaria" funcione... vital para que possamos usufruir dos sonhos
que nossa tão amada “sala escura” pode friccionar...
Alguns exemplos para refletirmos sobre a importância da Manutenção em acervos, museus, equipamentos culturais, instituições públicas, bibliotecas, cinematecas: Ora, sem ar condicionado funcionando o acervo estraga tanto quanto num incêndio, talvez mais lentamente, mas nem tanto! Se os controles de umidade não estiverem calibrados, o mesmo destino trágico! E se os equipamentos técnicos não são utilizados, porque não temos profissionais em diversos setores... também estamos rumo ao Matadouro... ao Matadouro do Matadouro! Ali era o matadouro municipal de São Paulo, a Cinemateca revitalizou aquele espaço, trouxe vida aos espíritos bovinos que por ali passaram rumo ao passamento... Revitalizou o Largo Senador Raul Cardoso.... Movimentos que colaboram inclusive para faturamentos imobiliários, tão perseguidos por este mercado numa cidade como São Paulo.... Não quero dizer que atualmente os equipamentos de ar condicionado ou de controle de umidade não estejam funcionando, afinal, a dedicação de quem ficou é imensa, mas são exemplos que me ocorrem do que pode acontecer e para pensar em todo esse complexo cenário...
Alguns exemplos para refletirmos sobre a importância da Manutenção em acervos, museus, equipamentos culturais, instituições públicas, bibliotecas, cinematecas: Ora, sem ar condicionado funcionando o acervo estraga tanto quanto num incêndio, talvez mais lentamente, mas nem tanto! Se os controles de umidade não estiverem calibrados, o mesmo destino trágico! E se os equipamentos técnicos não são utilizados, porque não temos profissionais em diversos setores... também estamos rumo ao Matadouro... ao Matadouro do Matadouro! Ali era o matadouro municipal de São Paulo, a Cinemateca revitalizou aquele espaço, trouxe vida aos espíritos bovinos que por ali passaram rumo ao passamento... Revitalizou o Largo Senador Raul Cardoso.... Movimentos que colaboram inclusive para faturamentos imobiliários, tão perseguidos por este mercado numa cidade como São Paulo.... Não quero dizer que atualmente os equipamentos de ar condicionado ou de controle de umidade não estejam funcionando, afinal, a dedicação de quem ficou é imensa, mas são exemplos que me ocorrem do que pode acontecer e para pensar em todo esse complexo cenário...
Ali temos acervos de materiais fílmicos, de documentos,
cartazes, equipamentos, correspondências, imagens históricas de posses de
presidentes.... enfim... Essa corrida contemporânea pela digitalização não
deveria esquecer completamente dos acervos... por muitos motivos... não sabemos
ainda lidar completamente com a preservação de arquivos digitais pensando num
longo prazo... também não digitalizaremos tudo num piscar de olhos, esse
processo não é assim simples como apertar um botão de Like no facebook...
diversas perspectivas deveriam ser consideradas, inclusive para que os planos
de expansão do cinema brasileiro não sejam minguados.... se não temos memória,
se não temos profissionais, a expansão do cinema brasileiro pode ter seu ritmo
prejudicado... O próprio Plano de Diretrizes e Metas de 2013 com metas para o
Audiovisual Brasileiro até 2020 expõe claramente essa fragilidade.....
Afinal, o que é cinema? É só clicar em REC, Play, Pause? É
sentar munido de pipoca e refrigerante para assistir a um filme que amamos? É
manusear uma película 35mm? É digitalizar e postar no youtube? Acho que podemos descartar o verbo "ser"... ao invés de pensar o que “é”, que tal considerar
como o percebemos e refletir sobre o fato de que existem tantas outras
percepções possíveis... cinema pode ser invenção, mercado, indústria, sonho,
vida, alma, memória, documento, sortimento, requerimento, fomento, cruzamento,
alento.... tudo ao mesmo tempo agora....
Portanto, acho que o resumo da ópera do que quero dizer é,
que as políticas públicas culturais para o audiovisual deveriam valorizar além do tripé produção + distribuição + exibição também a preservação, a vida
do filme para além da sala escura.... Claro que as conquistas de cada etapa são
muito difíceis, mas precisamos levar em conta a amplitude e os tantos
cruzamentos dessa complexidade, a meu ver... iluminar as sombras que emergem
urgindo para que as percebamos, para que com elas dialoguemos, troquemos, trancemos,
vivamos....
Enfim... são 11h da manhã, estou com o coração na mão, torcendo para que as próximas notícias confirmem que perdas de hoje tenham sido mesmo pequenas diante da preciosidade do acervo da Cinemateca Brasileira.
*
Recuerdos:
Lembrei desse filme: NITRATO. Curta-metragem 35mm, 19min, 1974.
Sinopse:
Sobre a situação precária da Cinemateca Brasileira, cujo rico acervo de documentos e de filmes se encontra ameaçado pelo tempo devido à omissão dos governos municipais e federais ao longo de três décadas.
Espaço Documentário - Cinemateca Brasileira
https://www.youtube.com/watch?v=zedRLPrJfao
Neste link, uma explicação sobre o arquivo de nitratos para se ter uma ideia:
"Arquivo de filmes em nitrato de celulose
Situa-se num prédio independente dos outros arquivos porque abriga materiais que entram facilmente em combustão. Está dividido em quatro câmaras não climatizadas, cada uma com capacidade para mil rolos de filmes."
http://www.cinemateca.gov.br/page.php?id=61
O citado link do G1:
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/02/incendio-atinge-area-da-cinemateca-brasileira.html
Balé Mecatrônico
curta metragem que dirigi na cabine da Sala BNDES.
https://www.youtube.com/watch?v=WKNmcGVR8iE