Estava a trabalhar na tese de doutorado e, num momento de descontração, num rolar de dedos no feed do instagram, me deparei com a abertura do processo de inscrição para uma oficina de crítica cinematográfica. 😍
E, como gosto pouco de escrever, pausei um pouco a tese e rapidamente me pus a responder o formulário de inscrição. A última questão, que se dizia determinante para o processo seletivo, era: "Qual é o filme que marcou a sua vida, e por quê?". Não demorei nem um minuto para decidir o que responder, afinal, estava justamente a revisar a tradução em inglês de um capítulo da tese que figurará em um livro sobre film-philosophy organizado pelo Projeto Film and Death, e aborda justamente esse filme, dirigido por uma pessoa querida que conheço há tantos anos...
Aqui está minha resposta:
Para responder essa pergunta vou optar por subverter a definição do artigo “o” e deslocá-lo para o território indefinido do “um”. Nesse caso, a questão seria, portanto sobre “um” filme que marcou minha vida.
Mirando desta maneira, indico o filme Por Parte de Pai, de Guiomar Ramos, pois trata-se de um documentário autobiográfico, no qual ela busca dialogar com seu pai, por meio de um movimento de reencontro com arquivos, lugares, trajetos e pessoas, entre Brasil, Portugal, França e EUA. Seu pai, Vitor Ramos, foi professor de literatura francesa da USP e membro do partido comunista português. Sua vida articulou trajetos intelectuais e políticos em diferentes locais, e, por isso, a opção da cineasta por reencontrar o pai por meio do diálogo com essas materialidades.
Eu e Guiomar trabalhamos juntas nas Oficinas Kinoforum, no início dos anos 2000. Ela, como professora, e eu, produtora de set. Minha sorte, por atuar nos locais das oficinas, era ter a possibilidade de assistir as aulas e acompanhar os processos de feitura dos filmes. Um diálogo com teoria e prática e com ideias efervescentes de jovens realizadores.
Os anos passaram. Em 2017 participei da exibição de um corte final desse filme. Uma exibição ao ar livre, para amigos, pois ela queria opiniões externas às da sua equipe. Eu estava escolhendo filmes para composição de meu material analítico da pesquisa de mestrado e, posso dizer, que o encontro com esse filme me ajudou a conectar um emaranhado de fios teóricos e temáticos da pesquisa. Dentre diversas possibilidades de análise, chamou minha atenção como ela efetivou um diálogo belo e potente com seu pai, passível de composição daquele modo, pois se deu com seu pai “nos” e “dos” documentos.
Foi o primeiro capítulo que concluí da dissertação. E foi o primeiro texto que publiquei oriundo daquela pesquisa. E esse filme segue presente na pesquisa de doutorado.
Por isso, Por Parte de Pai não apenas marcou, mas segue marcante para mim, pois segue a inspirar escritos e ponderações. Além disso, lembro bem que quando enviei a ela minhas impressões escritas, no dia seguinte à exibição, ela me retornou dizendo que era um texto digno de crítica cinematográfica, portanto me parece propício lembrar de escrever sobre esse filme aqui, nesse contexto.
E, retomando o dilema do “o” ou do “um”, me parece que pensar com o artigo indefinido tem aberto possibilidades de análise. A exemplo do modo como busquei analisar o filme de Guiomar até o momento, mirando o processo de feitura do filme e o modo de dialogar com alguém querido, em delay, via arquivos. Um modo de pensar que interessa tanto ao campo educacional quanto ao cinema, tendo em vista que o audiovisual compõe parte de nossas vidas cotidianas, e, além disso, articula diálogos com diferentes campos de conhecimento, possibilitando não apenas “a” leitura, mas “uma” multiplicidade de articulações para pensar nossas próprias vidas na contemporaneidade.
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